Tu et Vous

Umas das coisas mais difíceis da cultura francesa é o uso do “tu” e do “vous” (2ª pessoa do plural equivalente ao vós brasileiro), ainda mais pra nós brasileiros, que não temos mais essa diferenciação e até mesmo o pronome de tratamento senhor(a) tem caído em desuso.

Para se ter uma ideia de como faz mesmo parte da realidade francesa, existem até verbos pra expressar essa diferenciação “tutoyer”(tratar por tu) e “vouvoyer” (tratar por vós).

No dia-a-dia, percebi que é melhor pecar pelo excesso de formalidade, usando sempre o “vous”, porque a informalidade pode ser compreendida como falta de educação. A melhor abordagem é o “vous” e eu espero que a pessoa me diga “nós podemos nos tratar por tu”. Dou exemplos pra que fique mais claro:

Escola: Os alunos SEMPRE vão tratar o professor de “vous” (Madame, vous pouvez repeter la phrase? = A senhora pode repetir a frase? ) e chamam o professor pelo sobrenome, por exemplo, Madame Dufren, sendo que na maior parte dos casos não sabem o nome do professor. Isso mantém uma distância entre o professor e o aluno. Alguns professores tratam os alunos por “vous” também, mas num geral eles usam o “tu” (o que deixa claro quem é que manda…)

Trabalho: Na maioria dos casos, pessoas do mesmo nível vão se tratar por “tu” e quando tratamos com um superior ou com alguém de um outro setor ambos usam o “vous”.

Publicidades e avisos: SEMPRE usam o “vous”. Escuto a frase: “vous êtes arrivé à la gare de Toulouse Matabiau, terminus du train”(você chegou à estação Toulouse Matabiau, ponto final do trem) pelo menos duas vezes por semana. E abaixo uma propaganda:

Guarda maridos
“Vous allez adorer venir chez nous” – Você vai adorar vir a nossas lojas

Em casa: Em família o “tu” tem uso corrente, todos os meus alunos tratam os pais de “tu”. Conheço um menino de 4 anos e tenho a impressão que por enquanto ele ainda não sabe que existe o uso do “vous”.

Lojas: Os vendedores sempre vão te tratar por “vous” e você deve fazer o mesmo.

Cabeleireiro: Foi o lugar onde realmente entendi o uso do “vous”, a cabeleireira tinha mais ou menos a mesma idade que eu e me tratou por “vous” o tempo todo (o que me obrigou a usar o “vous” também). E os franceses gostam disso, afinal a cabeleireira não é uma “copine” (amiga).

A ideia principal do “tu” é que a pessoa é próxima. Claro que se sou apresentada a alguém num contexto informal, por exemplo uma festa, o uso do “tu” será natural, sendo a pessoa da mesma idade que eu ou mais velha.

O que realmente complica a cabeça são os usos de tu e vous em expressões, por exemplo “s’il vous plaît”/ “s’il te plaît” (ambas equivalentes à “por favor”).

E esse traço de distanciamento na linguagem se reflete também nos relacionamentos, por exemplo, os casais não se beijam muito em público (exceto os adolescentes ou casais bem jovens) e aqui as pessoas trocam beijos quando se encontram (até mesmo os homens), mas apenas os rostos se tocam, quase nunca vejo abraços, e quando abraço alguém sinto na hora que a pessoa fica meio constrangida, mesmo sendo alguém já um pouco próximo de mim.

O que percebo é que num geral o francês, mesmo sendo simpático, é bastante reservado.

E claro que tudo isso são minhas impressões, outras pessoas que moram aqui em Toulouse e convivem com outros franceses podem dizer exatamente o contrário…

Inverno

A coisa que mais me incomoda aqui é o inverno, e por inverno eu não quero dizer o frio, mas sim a estação, porque nesta época do ano os dias são mais curtos e têm muito menos sol.

Há alguns meses atrás eu estava dando aula e o sol estava entrando pela janela e batendo no rosto de duas de minhas alunas, então eu perguntei pra elas se queriam que eu fechasse a cortina, e elas me responderam “não, madame, nós gostamos do sol”. Na hora eu não entendi, mas hoje, num dos muitos dias cinzentos do inverno, a frase faz todo o sentido.

Agora sempre que eu posso e vejo um solzinho, quero aproveitá-lo ao máximo, ele funciona mesmo como um carregador de baterias. =)

Imaginem que no mês de dezembro aqui começa a anoitecer às 17h e só amanhece umas 8h30. No Natal estive em Amsterdã e lá amanhecia às 9h e às 16h30 já era noite, dava 20h30 e tudo que eu queria era dormir.

Tirei essa foto abaixo em Amsterdã, porque ficamos impressionadas, era 16h42 e já era noite…

Alguns dias da semana eu saio pro trabalho às 7h e só amanhece umas 8h20 quando já estou quase chegando na outra cidade onde trabalho. Pra mim, olhar pro relógio e ver que são 8 horas e não tem sol é muito estranho. Sinceramente, não sei como os europeus aguentam….

Trenando por aí

Como eu trabalho em Toulouse e em outra cidade que fica a uns 40 kilometros eu pego o trem pelo menos duas vezes por semana e preciso dizer: eu adoro andar de trem, e por consequência a SNCF (Societé Nationale des chemins de fer français – Sociedade Nacional dos caminhos de ferro francesa)  é uma das minhas melhores amigas.

O trem é prático, barato, confortável e tem estacões de trem em (quase) todos os lugares da europa. E além disso, por causa dos 30 anos do TGV (“train de grande vitesse” – trem de grande velocidade) eu pude fazer a carteirinha 12 – 25 (uma carteirinha para quem tem entre 12 e 25 anos e que dá direito a até 50% de redução) então sempre tenho direito a um descontinho. 🙂

E se faço a compra do bilhete com antecedência posso pagar ainda mais barato, por exemplo 20 euros pelo trecho Toulouse – Marseille comprando a passagem para fevereiro hoje, além do fato de que agora tenho medo de viajar de avião (nem gosto de pensar que vou passar 12 horas dentro do avião para voltar para o Brasil…) e que as companhias aéreas low cost restringem o peso e o tamanho da mala de mão (para levar mais que 10 – 12 kilos é preciso pagar uma taxa).

Enfim, um pouquinho de história e informações culturais do sistema ferroviário francês: a primeira linha de trem francesa data de 1837 ( de Paris a Saint-Germain-en-Laye) e em 1840 a França contava com 400 kilômetros de linhas. Aqui dá pra ver o tamanho da rede atual, que conta com mais de 29 mil kilômetros.

Gare du nord - em Paris

 

É possível comprar os bilhetes pela internet e nos guichês, e depois é preciso validá-lo (em francês “composter”) numa dessas máquinas:

E uma coisa que sempre me diverte são os “controleurs” (controladores), funcionários que andam pelos vagões verificando se temos o “titre de transport” (bilhete), isso porque na plataforma não existe nenhuma forma de controle – com alguma exceções como o trens idtgv (tipo de TGV que só é vendido pela internet e é bem mais barato) e também os trem noturnos. Quando uma pessoa é pega pelo controleur sem bilhete deve pagar uma multa e ainda toma uma bronca… E eles me divertem por estarem sempre muito bem arrumadinhos em seus uniformes.

A SNCF existe desde 1937, e tem um enorme poder de fogo porque assim como o metro em São Paulo, quando faz uma greve causa bastante estrago, eu, por exemplo, cheguei atrasada no meu primeiro dia de trabalho porque eles estavam fazendo uma paralisação.